Não é sobre IA; é sobre consciência
- kauric
- Aug 7
- 3 min read
Updated: Oct 6
Num planeta à beira do colapso, o que falta não é mais tecnologia. Falta humanidade consciente. Uma provocação urgente sobre o que devemos preservar antes que seja tarde

Imagine um gato. Agora imagine que esse gato não sabe que existe. Ele vive, sente, reage — mas nunca parou para pensar: “quem sou eu?”. Agora pense em você mesmo. Você sabe que existe, sabe que um dia vai morrer, e que sua passagem por este planeta é finita. Essa simples percepção já te coloca em um nível de consciência que nenhum outro animal — e muito menos uma máquina — consegue atingir.
Mas e se um computador superpotente for alimentado com todas as informações do cérebro humano? Nossos neurônios, sinapses, hormônios, memórias e outros. Será que ele poderia ser consciente? Será que a inteligência artificial um dia vai “acordar” como nos filmes de ficção científica?
A resposta mais honesta é: não sabemos. Eu, pelo menos, não tenho a mínima ideia. Mas, talvez, a pergunta esteja errada.
A consciência não mora só no cérebro. A ideia de que basta simular o cérebro para criar consciência ignora o fato de que somos corpo inteiro. A consciência não é um software que roda numa máquina. Ela é uma experiência que nasce do corpo, dos sentidos, da pele que arrepia com o frio, do estômago que revida quando estamos ansiosos, do peito que aperta quando perdemos alguém.
Pensar que uma máquina pode “sentir” só porque processa dados é como acreditar que uma simulação de fogo pode queimar. É uma ilusão perigosa — não só científica, mas moral. Porque ao tentar nos reduzir a algoritmos, corremos o risco de esquecer o que nos torna humanos.
Ao longo dos séculos, a ciência foi nos “rebaixando”. Saímos do centro do universo e descobrimos que somos feitos da mesma matéria que poeira estelar — e que essa matéria representa só 5% do que existe no cosmos. Essa visão, no entanto, gerou um efeito colateral: muita gente passou a ver o ser humano como irrelevante, como um acidente cósmico sem sentido. Será mesmo?
Marte é um deserto congelado. Vênus é um inferno de gás tóxico e calor insuportável. A maioria dos planetas conhecidos são hostis à vida. Já a Terra tem água líquida, ar respirável, uma lua grande o suficiente para estabilizar as estações do ano, temperaturas relativamente estáveis — é um verdadeiro oásis cósmico.
E mesmo aqui, a vida levou bilhões de anos para sair das bactérias e chegar aos seres humanos. Um asteroide que caiu há 65 milhões de anos, por exemplo, foi o que permitiu que os mamíferos evoluíssem. Se ele tivesse errado o alvo, talvez você não estivesse lendo este texto agora.
A vida é rara. A vida inteligente é raríssima. E a consciência? Um verdadeiro milagre. É a partir dessa percepção nasce uma ideia chamada humanocentrismo. Não se trata de dizer que somos os melhores ou que devemos dominar a natureza. Pelo contrário. O humanocentrismo propõe que, justamente por sermos os únicos seres conscientes da nossa existência, temos o dever de preservar a vida e o planeta que nos abriga.
Somos a única espécie que constrói telescópios para olhar as estrelas, mas também a única que queima a floresta que a sustenta. A única que escreve poesia e também que produz armas nucleares. A única que entende o que é justiça, solidariedade, ética e, mesmo assim, convive com tanta desigualdade. Temos poder. E com poder, vem responsabilidade.
A inteligência artificial vai seguir avançando. Ela será cada vez mais útil, rápida e “esperta”. Mas não devemos confundir inteligência com consciência. Nem eficiência com empatia.
O que está em jogo não é apenas o que podemos fazer com a ciência, mas por que e para quem fazemos. A pergunta mais urgente do nosso tempo não é se a IA vai se tornar consciente — mas se nós, seres humanos, vamos agir com consciência.
Afinal, pensar o futuro não é tarefa só de engenheiros ou filósofos; é de todos, com ou sem IA.
Sobre o autor
André Kauric de Campos é jornalista científico e coordenador do projeto Comunicar Ciência. Atua na ponte entre conhecimento e sociedade, transformando temas complexos em conteúdos que informam, provocam e inspiram decisões mais conscientes.




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